segunda-feira, 23 de julho de 2007

It's all gone...

Para quem viu o "24 Hours Party People" e gostou, a vida alucinante de um Dj de nome Frankie Wilde que depois de ter ficado surdo conseguiu editar um album... e que supostamente morreu de sífilis nas ilhas Fidgi. Aconselho vivamente... às mentes mais "abertas", é claro. Para os outros, aconselho "Música no coração"...

"Pay no mind to those who walk behind your back, it simply means you are two steps ahead"

Vai tudo abaixo !!!!

NOTA: Não aconselhado a "mentes sensíveis" e sem sentido de humor...

A passagem das horas


"Sentir tudo de todas as maneiras,

Viver tudo de todos os lados,

Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,

Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos

Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.


Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,

Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,

Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,

Seja uma flor ou uma idéia abstrata,

Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.

E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.

São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,

E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,

Porque ser inferior é diferente de ser superior,

E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.

Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de carácter,

E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,

E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,

E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.

Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,

Basta que ela exista para que tenha razão de ser.

Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,

(No mesmo abraço comovido)

O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,

O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,

E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,

O ladrão de estradas, o salteador dos mares,

O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas —

Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.


(...) Multipliquei-me, para me sentir,

Para me sentir, precisei sentir tudo,

Transbordei, não fiz senão extravasar-me,

Despi-me, entreguei-me,

E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.


(...) Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,

Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,

Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares

Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.

Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte, todos os como que esquecidos,

E todos os pederastas - absolutamente todos (não faltou nenhum).

Rendez-vous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!"


Álvaro de Campos, 22-5-1916

Um dia acordei...


Um dia acordei, ou não, não tenho a certeza se estou acordada... Sinto-me confusa, perdida e sem rumo. Sinto uma vontade imensa de fugir, não sei muito bem de quê, mas sinto-o intensamente.

Acordei, mas não estava adormecida, estava numa latência infinita, sonâmbula, movimentando-me aleatóriamente, flutuando sobre a vida.

Acordei, mas não queria acordar, sinto-me a deambular pelo infinito, mas não sei se estou a gostar. É solitária esta viagem. Procuro algo que não sei se existe. Vivo na insatisfação... Não sei se sou feliz. Vivo num momento irreal. Invento realidades paralelas. Confundo os sentimentos...

Acordei, mas continuo a sonhar, não o consigo evitar... Sonho com o meu mundo perfeito, mas a minha insatisfação não me deixa concretiza-lo. Brinco com a vida, atiro-me de cabeça para o abismo, sem pensar. E caio em mim... Choro, sorrio, rio às gargalhadas, choro, choro, choro... mas choro por dentro, em silêncio, sem ninguém me ouvir. Choro para mim e sorvo as minhas lágrimas como se fossem algo precioso. Transformo-as em força, em impulsos de raiva, de ternura de prazer.
Não compreendo as pessoas, não entendo o mundo, não me percebo a mim própria... Não sei quem sou, nem o que quero ser. Derramo a minha alma por onde passo. Dou-me sem me vender. Dou-me demais. Não aceito nada em troca. Não me vendo.

Acordei, e não quero sentir. Quero perder a sensibilidade. Tenho medo. Não quero crescer... Não consigo... Evito os sentimentos sem os conseguir evitar. Engano-me a mim própria. Enceno para mim uma peça mentalmente concebida, idilica, e represento-a. Não consigo evitar de sentir. Maldita essência que a natureza me deu.

Acordei, com um dilema, o mais enigmático dos dilemas, o de mais dificil resolução, o mais intrincado. A definição da essência do meu ser. O que mudou em mim? O que me fugiu ao controlo? O que me está a fazer sentir desta forma? Eu sei... mas vou negar a mim própria.

Acordei, e sei que vou ter que sobreviver. Eu sou uma sobrevivente por natureza, tal como o naufrago que se salva das águas gélidas do oceano no último momento, e que já não sente qualquer parte do seu corpo, em que só o cérebro está acordado para lhe agudizar a dor e a loucura. Sou eu esse naufrago, revejo-me na sua loucura, na sua dor, no repassar das últimas palavras proferidas. Sou eu esse naufrago, e meu oceano é o mundo, a sociedade que me reprime e me condena. O oceano é aquele dedo sempre para mim apontado... Mas eu sei que vai ser sempre assim... Aí está o meu ser, flutuando no oceano, deixando-se levar apenas por algumas ondas, mergulhando noutras, mas sem se deixar embeber nas suas águas salgadas.

Acordei, e sou eu, revejo-me num gato meigo, dócil, astuto e assustado mas que não consegue evitar a sua natureza. Sou eu, mais uma peça num grande puzzle, que não encontra o seu sitio. Não estou a conseguir elevar a minha alma. Dá-me dois minutos... Não chega... talvez mais dois... Talvez um banho bem quente para diluir as lágrimas mornas que me deslizam pela face sem freio... Sim, isso deve resolver a angústia que sinto em mim.

Acordei, e já chega de me lamentar. Não, não é por comparação que resolvo as minhas “desgraças”. Não penso que o mal dos meus congéneres é pior que o meu. O meu é o pior porque sou eu que o sinto, da minha forma. É meu, pessoal e intransmissivel. Por isso vou exorcizá-lo à minha maneira... Pois já sei e criar outro problema maior... Paciência. Sou eu... e eu sou assim...

Verdade significa o que é verdadeiro


Nietzsche afirma que a verdade não passa de um ponto de vista, e que nunca se pode ter a certeza do que é realmente verdadeiro ou não. Para nós "verdade" é um termo que nos parece logo à partida o mais simples e também o mais complexo. Quando afirmamos que uma proposição é "verdadeira", baseamo-nos em quê? A nossa concepção de verdade foi construída através da história pela junção de três diferentes tradições linguísticas, vindas da cultura grega, que formou a base da cultura latina e que sofreu influência da hebraica.

Em grego a palavra para "verdade" é "aletheia" e significa "o não oculto, não dissimulado". O verdadeiro é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é, e que logo se opõe ao que é "falso". Verdadeiro é o evidente, numa acepção quase "visual" da palavra, o "verdadeiro" é claro, delineado, estruturado, visível.

Em latim, verdade diz-se "veritas" e refere-se à precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu. Verdadeiro refere-se, portanto, à linguagem enquanto narrativa de factos acontecidos. A verdade depende, por um lado, da veracidade, da memória e da acuidade mental de quem fala e, por outro, que o enunciado corresponda aos acontecimentos.

Em hebraico "verdade" diz -se "emunah" e significa "confiança". A verdade relaciona-se com a presença, com a espera de que aquilo que foi prometido irá cumprir-se ou acontecer.

Assim, "Aletheia" refere-se ao que as coisas são; "veritas" ao que foram os factos; "emunah" às acções e ao que as coisas que serão.

Na verdade e para se se conseguir a mais pura das verdades seria necessário recorrer a um critério supremo denominado "objectividade", uma impossibilidade humana para assuntos mais complexos e que vão para além das provas matemáticas. Portanto, alguém achar-se detentor da verdade é uma presunção...

"Na arte existe uma forma extrema de realismo denominada "verismo" na qual o artista se propõe a reproduzir com exacta veracidade a aparência de seu tema, repudiando a idealização e toda a interpretação imaginativa. Mas remete-nos para a discussão quando se percebe que este mesmo termo é utilizado também para designar uma forma específica de surrealismo que afirma reproduzir imagens de alucinação e sonho com detalhes exactos e sem qualquer tipo de selecção ou alteração. Será que essa possibilidade de compreender o sonho visualmente com perfeição e poder materializá-lo em arte sem qualquer forma de alteração, nos dá a dimensão do quanto o conceito de verdade?"

“Falar a verdade é como escrever bem, e só se consegue pela prática” – Ruskin